quarta-feira, agosto 16, 2006

Porque Descartes é o caralho!!!

"Se manter afastado dos conflitos do mundo, pagar o mal com o bem e não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. Isso é a sabedoria. Mas não... eu não consigo ser assim." (BRECHT, B., Aos que Vierem Depois de Nós).

Quem me conhece sabe que sou um grande fã de literatura e quadrinhos. Especialmente quando há neles personagens psicologicamente densos. De preferência vários deles juntos. Se quiserem ler coisas assim em quadrinhos, as dicas são: Sin City, X-Men, Sanctuary, Lobo Solitário, Batman (os do Frank Miller são geniais e realmente valem a pena), Slam Dunk e uma ou outra coisa do Homem Aranha (os dois filmes são fenomenais na profundidade do personagem, muito devido a sacadas do roteirista, e não dos autores das histórias em quadrinhos). Em livros e filmes a seleção é mais vasta, se quiserem dicas, só me perguntar.

O problema é explicar por quê eu gosto de personagens assim. E é bem simples: compor um personagem realmente humano é muito complicado. Fazer personagens diferentes dentro de clichês, meio planos, é simples. Todos os quadrinhos que eu lia até uns 12 anos e releio hoje em dia quando quero relaxar são assim: Cavaleiros do Zodíaco, Asterix e Tintim, basicamente. Tirando o primeiro, que tem alguns poucos personagens realmente dignos de nota, com conflitos internos (pra quem leu, cabe dizer: Ikki, Hiyoga e Saga), todos apresentam estereótipos claros: o melhor amigo engraçado (Obelix, Capitão Haddock, Shiryu), o mentor intelectual (Mestre Ancião, Panoramix e, forçando, Professor Girassol) e o vilão (romanos, Rastapopoulos e Posseidon – não gosto de incluir o Saga porque ele é dividido, não se encaixa no conceito de mau).

Por isso, quando um amigo apresentou Sin City pra mim, quando eu tinha 13 anos, minha análise de personagens em todos os aspectos ficou mais exigente. TODOS os personagens dessa hq são bastante complexos. Talvez o Assasino Amarelo (totalmente deturpado, mas filho de família abastada) e o Hartigan (no cinema vivido pelo Bruce Willis) sejam exceções. Com exceção desses dois, que fique claro, também tem suas complicações, todos vagam entre o bem e o mal. Sem querer discutir os conceitos de bem e mal (levo em conta para fins de post o conceito bíblico). Mesmo o Marv tem momentos de considerável humanidade e ternura, apesar de sua aparência monstruosa e comportamento violento.

Mas mudando para um quadrinho até mais conhecido e que também apresenta excelentes personagens no quesito psicologia, posso falar do Batman ou do X-Men. Comecemos pelo primeiro, sem dúvidas o herói mais psicologicamente denso criado nos Estados Unidos. Talvez por ser o único super-herói que todo ser humano se identifica em algum ponto (em grande parte por ele ser um ser humano normal, sem mutações, um homo sapiens sapiens).

O conflito entre o playboy Bruce Wayne e o Dark Knight (provável título do próximo longa) é visível. E o personagem acaba ficando mentalmente deturpado por isso.O conflito é maravilhosamente explorado em Batman Begins e nos quadrinhos do Frank Miller (O Cavaleiro das Trevas – Volumes 1 e 2). Além disso, os vilões em geral são também interessantes, até mesmo o Coringa em sua loucura “alegremente violenta”, merece uma bela retrospectiva para explicar seu presente estado mental.

Quem viu qualquer X-Men também sabe as diferenças entre os personagens e a divisão de boa parte deles entre bons e maus (divisão essa lindamente trabalhada pelos autores, visto que depende do ponto de vista do leitor achar quem é bom e quem é mau pelo menos na luta entre os X-Men e a Irmandade comandada pelo excelente Magneto – que tem um passado digno de qualquer bom filme sobre o Holocausto).

Mas voltando ao porquê deu gostar de tramas assim: todo ser humano gosta de se ver parcialmente relatado em histórias fictícias, dá uma espécie de massagem no ego. Como supracitado, alguns desses personagens têm uma identificação parcial com praticamente todo ser humano. Seja por seu jeito, seja por cacoetes ou, mais importante, pelos seus conflitos internos, baseados em boa parte na prerrogativa colocada por Brecht há mais de 70 anos. Eu pelo menos me identifico com alguns deles, especialmente na dúvida entre fazer o que a Sociedade acha correto e exige de mim ou o que meus próprios conceitos pedem.

Eu gosto da idéia de ser amado e odiado. É interessante participar ativamente da vida de outras pessoas, nem que seja como antagonista...por isso, vida longa aos personagens densos, odiados e amados, maus e bons. E raramente temos algum grande estereótipo ambulante do bem ou do mal, do certo ou do errado e do quente ou do gelado.

O mundo precisa de mais heróis e antagonistas. Por causa desses anti-depressivos e terapeutas da vida, a humanidade passa por um momento em que heróis e vilões são incomuns. Não faltam figurantes, aqueles que não são nem amados nem odiados, muitas vezes nem mesmo percebidos. Chega de seres humanos planos! Vida longa aos heróis e vilões da ficção e também aos de carne e osso.

Sou odiado e amado, logo existo.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Muito bom! Apesar de ter lido soh Sin City, acho que tem toda a razão...

quinta-feira, agosto 17, 2006 3:26:00 PM  

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