terça-feira, junho 08, 2010

Quando os Grandes Se Encolhem

Nasci em um período estranho de um século excepcional e louco. Nos meus primeiros dez anos de vida, muitos paradigmas que vinham pautando a realidade política e influenciando quase todo o resto caíram: o mundo deixou de ser “bipolar”, uma guerra nuclear deixou de ser um fato realmente possível (em alguns momentos pareceu provável) e os Estados Unidos conseguiram, como talvez nunca antes, uma hegemonia político-militar no mundo. Isso foi especialmente real até mais ou menos o fim da década de 90, quando a atitude questionável em alguns casos (Segunda Guerra do Golfo, Intifada na Palestina a partir de 1997 e Guerra étnica na Bósnia e em Kosovo) levaram o mundo a ver que os Estados Unidos de certa forma foram grandes prejudicados pelo fim da URSS.

Antes, posições equivocadas ou questionáveis eram facilmente justificadas por serem a contraposição da posição soviética em voga, como o foram o apoio aos mujaheddin afegãos (que vieram a se tornar a base do fundamentalismo islâmico que dominou aquele país a partir da década de 90 – Taliban) que nas décadas de 70 e 80 trouxeram à URSS algo parecido com o que os EUA tiveram no Vietnã, o apoio a Israel contra Síria e Egito, então razoavelmente alinhados à URSS e às Ditaduras Militares no Cone Sul, que teriam como fim prevenir a expansão do Comunismo em uma área vista como estratégica pelos EUA.

Na semana passada, se tornou óbvia a falta de tato dos ianques em algumas questões internacionais. Israel atacou um comboio marítimo que levava ajuda humanitária aos palestinos da Faixa de Gaza, praticamente presos na região e sofrendo um bloqueio comercial que faz o bloqueio dos EUA a Cuba parecer bastante benevolente. Produtos como papel e tâmaras não são permitidos na estreita e superpovoada faixa de terra adjacente ao Mediterrâneo Oriental, sob a justificativa de serem perigosos para a segurança do Estado de Israel. Como bem lembrado por um comerciante palestino entrevistado pela imprensa internacional, dificilmente papéis e tâmaras servirão como armas ou projéteis, salvo para estilingues de crianças.

O comboio, que saia do Chipre, era financiado por uma entidade que, segundo gente até mais imparcial do que os israelenses (o serviço secreto francês, por exemplo), tem ligações estreitas com o Hamas, grupo tido como terrorista por algumas nações ocidentais, mas que vem tendo um comportamento surpreendentemente pacífico nos últimos anos, justamente quando estas ligações teriam sido verificadas. Ora, se um organismo internacional manda ajuda humanitária para meu povo, eu procurarei ter com ela a melhor relação possível. E me parece ser este o motivo da amizade do Hamas com a ONG humanitária.

Pois bem, a maioria das nações do mundo, incluindo aliados históricos de Israel como a Turquia e a França condenaram com razão o ataque – que envolveu cidadãos de várias nações, inclusive uma cineasta brasileira a bordo de um dos navios. Brasil, Turquia e Rússia foram especialmente veementes ao pedir explicações razoáveis do governo israelense, explicações estas que, até o momento – já passada uma semana do evento – não foram dadas.

A posição dos EUA, como tem sido freqüente em questões envolvendo Israel ultimamente, chegou a trazer esperança para os que acreditam no Direito Internacional, condenando o ataque e pedindo explicações, ainda que com pouca veemência. Surge, no entanto, que a mais poderosa nação do mundo, tanto econômica quanto militarmente, se apequenou mais uma vez ao gigantesco lobby judaico em seu país. Como é de notório conhecimento, boa parte da economia americana encontra-se nas mãos de membros da comunidade judaica que, diga-se, conseguiu esta posição trabalhando de maneira árdua e inteligente ao longo dos últimos séculos. Sendo assim, enquanto os EUA deveriam estar pressionando Israel – que por sinal tem armas nucleares já há alguns anos – estão trabalhando no Conselho de Segurança da ONU para conseguirem sanções contra o Irã. Cabe ressaltar que, segundo foi reiterado inúmeras vezes pelo país persa e verificado por gente neutra, o país NÃO tem capacidade de produzir armas nucleares imediatamente, ainda que, na minha singela opinião, provavelmente o conseguirão em um futuro não tão próximo. E ninguém me tira da cabeça que Israel e o Irã representam perigos parecidos tanto perante o outro quanto perante o mundo.

A posição brasileira, condenada por Israel, que considera o país inexperiente e prepotente em questões internacionais, me parece bem interessante. Temos uma população considerável, economia grande e nossa influência política cresce a cada dia. Defender o Direito Internacional não deve ser trabalho apenas de países já reconhecidos como potências diplomáticas tradicionais (EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Japão e Alemanha), mas também dos que estão crescendo, como o próprio Brasil, a Índia, a África do Sul, o México ou a Turquia. Um país nunca será respeitado e forte na estrutura global se não adotar posições firmes que tenham suporte do Direito Internacional (se adotassem posições firmes baseadas apenas em seu poder – como o faz Israel, diga-se – seriam temidos, mas não exatamente respeitados).

Assim, no caso, os EUA estão se comportando como uma república das bananas. O Brasil, sim, adotando posição de quem sabe o que é correto juridicamente e, mais, de quem leva em conta mais do que poder econômico.