quinta-feira, setembro 04, 2008

Ensaio sobre o homem médio brasileiro e a sociedade em que vive

Hoje veio um repórter de um jornal local me entrevistar. Não dei entrevista. Não dou entrevista. Sei que não vendo jornal.

Pois bem, a curiosidade do jornalista era específica, mas vou falar do assunto em um sentido mais amplo.

Costumamos ouvir que o Brasil é subdesenvolvido porque aqui era uma colônia de exploração de Portugal, e os Estados Unidos, por exemplo, eram colônia de povoamento.

Hoje leio na Veja (edição 2076 - 3.9.2008), nas páginas amarelas, a entrevista de James Roberts, coordenador do índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation. Nesse ranking, sete dos dez países mais bem colocados no ranking foram colônias inglesas. Salienta o entrevistado que "é uma tradição inglesa e do norte da Europa ter governos limpos, transparentes e responsáveis". Na América Latina, por outro lado, o entrevistado identifica a prática do "capitalismo de comparsas", no qual o governo e seus amigos sobrecarregam a população com burocracia e tributos com objetivo de massacrar empreendedores.

Hoje também, conversando com um amigo finlandês pelo MSN, ele me disse que teve que parar o carro pois tinha uma mulher deitada na estrada. Por algum motivo a mulher estava em estado de choque, e só conseguia falar o endereço dela. Não lembrava o celular do marido. Meu amigo a levou para o endereço e, como ela estava sem as chaves do casa, ele entrou na casa por uma janela e abriu a porta por dentro. Depois disso tudo eu repliquei: "você é louco?! Ela poderia ser uma ladra. Aqui no Brasil eu não pararia; no máximo ligaria para o 190". Ele me respondeu que se ele não parasse, poderia até mesmo ser processado criminalmente pelo fato. Até solicitei a esse meu amigo que me encaminhasse o texto legal que traz esse dever. Ele ficou de procurar. Fica para um outro post.

Bom, mas o assunto que vou tratar aqui é como o brasileiro admite as pequenas ilegalidades do dia-a-dia, não percebendo que ele faz parte de um todo, que culmina nas ilegalidades maiores.

O brasileiro médio vai no camelô, compra um DVD pirata, acerta uma demissão fajuta com o seu patrão, com o fito de sacar seguro-desemprego, repassa moeda falsa que recebeu de boa-fé, pede para um amigo seu funcionário público dar um "jeitinho". E tudo fica por isso mesmo.O governante que ele vota desvia recursos e como ele sonegou um tributo aqui e ali, e sacou indevidamente o seguro-desemprego, o Estado – com sua inerente ineficiência - não tem recursos para fiscalizar propriamente o fato. O dinheiro do vendedor de DVD pirata, obviamente não declarado, é fluxo de caixa para nada mais, nada menos que uma organização criminosa, que compra armas e com ela mata policiais e controla alguma favela no Rio de Janeiro. A tributação é alta porque se sonega gigantescamente...

Não sei exatamente o que o brasileiro precisa para que - usemos essa metáfora - pare na estrada e ajude ao próximo. Fosse uma dissertação da 5a série, eu continuaria o texto com a seguinte fórmula: “é preciso que as pessoas se conscientizem...”. Mas a questão é mais séria que uma mera conscientização. É um autoreconhecimento de cultura. Não sei se lhe falta religião séria, se lhe falta repressão estatal ou se simplesmente, para o brasileiro, o crime é um fenômeno normal e que a sociedade absorve naturalmente o ilícito. Nesse caso, o Brasil seria o paraíso experimental dos abolicionistas do direito penal. Nossos sistemas penais estão baseados em um sistema romano-germânico que parece funcionar para aqueles países. O fato é que, nesse modelo, copiado para cá, e com as brechas tupiniquins maliciosamente feitas para que os amigos do rei não sofram reprimendas (vamos lembrar que em casos de crime tributário, o mero parcelamento do tributo impede a ação penal), os únicos que cumprem pena no Brasil são os que são presos em flagrante (normalmente por crimes mais graves, como roubo, tráfico de drogas, homicídio) e os que cometem os crimes de menor potencial ofensivo. Estes, inclusive, cumprem pena sem propriamente um processo. É feita uma transação penal, ou ajusta-se uma suspensão do processo, onde o sujeito paga um salário mínimo ou cesta básica, ou prestação de serviços a comunidade. Todos os demais conseguem empurrar o processo para que o crime prescreva antes de um julgamento final. O auto reconhecimento das peculiaridades brasileiras permitiria a criação de um sistema próprio de vida; uma decisão sobre o que deve ser relevante e no que devemos ser permissivos.