domingo, julho 17, 2011

Todos preferimos Asterix a Julio Cesar

Hoje passei a tarde com meu primo mais novo. Ele tem seis anos, já sabe ler, me parece mais esperto que outras crianças até mais velhas que eu conheço. Como dois homens brasileiros normais, assistimos ao jogo da seleção brasileira contra a paraguaia.

Aqui cabe o primeiro parêntese. Ao contrário de mim com a idade dele (eu chorei quando o Brasil perdeu pra Argentina na Copa América de 93), meu primo em nenhum momento demonstrou qualquer sentimento pela seleção brasileira. Só comentava: "nenhum deles faz tanta besteira jogando nos times". Achei curioso. Primeiro porque ele é muito novo e fez um comentário muito pertinente. Depois porque ele realmente justificou isso de maneira bem correta. Estivesse o Paraguai com um Santacruz ou um Cardozo no lugar do Valdez, teríamos perdido no tempo normal.

Pois bem, anda difícil se motivar a torcer por um timinho desses. Ao contrário da seleção de vôlei (ambas) ou mesmo de times menos vencedores como o de pólo aquático ou de basquete, você vê os jogadores se entregarem, jogar sempre no seu máximo. Isso acontece também com a seleção uruguaia. Sim, o menos populoso dos países da CONMEBOL. O que foi o melhor sulamericano na última Copa do Mundo, que eliminou a Argentina jogando no lado dessa última do Rio da Prata... e com certeza um país onde priminhos de seis anos torcem com orgulho por seu país. Uma aldeia de Asterix que dá mais gosto que a poderosa Roma.

Sobre o mesmo assunto (futebol), mas um pouco mais sociologicamente, escreveu João Ubaldo Ribeiro o texto a seguir:

Estão querendo enganar quem?

Nos jornais deste domingo

João Ubaldo Ribeiro*

Li em algum jornal que a Fifa, essa organização da qual volta e meia se evola um odorzinho de mutreta, que lida com cachoeiras de dinheiro, cujas decisões são às vezes vistas como fruto de processos viciados e que, enfim, não é nenhuma casa pia, ameaçou fazer a Copa de 14 na Espanha, se as obras aqui não forem apressadas - ou até mesmo iniciadas, como dizem que é o caso de muitas. Por artes do caprichoso destino, isso pode interessar à Espanha, que tem estrutura e está pendurada. Pode interessar a toda a Europa, aliás, devido ao reflexo dos problemas espanhóis na economia do euro. E talvez o Brasil nem conseguisse ir aos jogos, porque os espanhóis poderiam aparelhar os aeroportos para otimizar sua já tradicional deportação de brasileiros.

Apressar as obras significa, como também se divulga muito, relaxar controles sobre custos e gastos. Claro, qualquer que seja o resultado dos debates, todo mundo sabe que haverá roubo. Se for feita uma enquete, tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros acredita que vai haver roubo nessas obras, com sigilo, sem sigilo, de que forma for. Existirá sempre um jeito de roubar, entendido isto como faturamento fraudulento, propinas, desvios de materiais e serviços e, enfim, todo tipo de trambique aplicável, num repertório em que seguramente somos líderes mundiais.

Sim, todo mundo está cansado de saber disso. Então para que tanta complicação inútil, se tudo vai ser mesmo garfado, sempre foi, desde que nos entendemos e ninguém tem problemas ao ganhar dinheiro desse jeito? Há tantos estádios a construir, tantos aeroportos a reformar, tantas obras públicas, tantas armações que podiam já estar rendendo grana e ficamos nessa demora ridícula, repetindo atos ou palavras que nunca resolveram nada. Tanto o que surrupiar já dando sopa aí e esse pessoal perdendo tempo em formalidades que todo mundo sabe que não servem para nada, a não ser para embalar o sono dos que as ouvirem, em forma de discursos, no Senado Federal. Não havia nem necessidade da mãozinha que a Fifa está querendo dar (ou meter).

É difícil assistir a um noticiário de televisão em que não seja mostrado o desbaratamento e prisão (e imediata soltura, em questão de segundos) de pelo menos uma quadrilha que fraudava algum órgão público. Difícil, não, impossível; não me recordo de nenhum. Se qualquer político for acusado de ladrão numa roda de conversa, dificilmente alguém o defenderá com convicção, porque confere com o padrão que nos acostumamos a aplicar à nossa sociedade. Nenhum tipo de falcatrua ou sordidez nos surpreende e é bastante comum que, nessas conversas, alguém lembre uma história bem pior.

E os parlamentares, se não são todos ladrões em sentido amplo, são beneficiários impudentes de uma abundância obscena de privilégios, a começar pelo imoralíssimo foro especial, que os põe numa acintosa classe acima dos governados, a quem não prestam satisfações e cuja vontade ignoram, se não coincide com seus interesses. Há sentido nas miríades de "ajudas", nos fantásticos seguros de saúde, nas generosíssimas viagens e em tudo mais de que desfrutam para mal e pouco trabalhar, isto quando trabalham? Os estrangeiros têm dificuldade em compreender como uma sociedade aceita esse deboche deslavado, que ainda lhe é impingido com arrogância e ostentação de poder. Não acho de todo descabida a semelhança que vejo entre esses privilégios e os da corte de Luís XIV, na França do século 18. De fato, como já disse aqui, o Estado entre nós não é o rei, que não temos; mas o Estado entre nós é dos governantes e a soberania é deles, respeitados os donos da economia.

No serviço público, a falta de compostura e o nepotismo, embora hoje disfarçado pelos intrincados laços familiares dos brasileiros, são a regra. O que é público não é de ninguém, começando pelo material de escritório levado para casa e terminando pelos cartões corporativos. Ocupantes de cargos públicos de relevância se associam secretamente a empresas de "consultoria" e assim ganham fortunas, fazendo na verdade advocacia administrativa e tráfico de influência. Egressos do serviço público caem na mesma prática, pois o serviço público aqui não é para o público, mas para quem o presta, ou alega prestar. O serviço público é uma oportunidade para "se fazer". Comportam-se assim até os menos rapineiros, que se contentam em "colocar" um filho aqui ou acolá, ou bem encaminhar seu futuro depois da política, apesar de já bastante acolchoado por aposentadorias magnânimas e benesses liberais.

E ninguém, afinal, é punido por nada. Se antes isso se aplicava somente aos ricos e poderosos, agora vale para todos. A melhor maneira de matar alguém no Brasil é ficar bêbado, pegar o carro e atropelar a vítima. Aí o atropelador se recusa a usar o bafômetro e vai para casa, responder a processo em liberdade, para, no caso difícil de vir a ser condenado, cumprir a pena também em liberdade. Embriaguez pode até virar atenuante, surto psicótico. Matar gente, aliás, é cada vez mais fácil, talvez mais que roubar. Matar bicho nem tanto, mas pega mal o sujeito sair dizendo que está sob a proteção do Ibama.

É por essas e outras que eu digo: vamos parar com essa enrolação toda, que chega a nem ficar bem, parece sabotagem com a Seleção. Não já estamos exaustos de saber que, em ocasiões semelhantes, meteram a mão na granolina para valer? Não é assim que se faz e sempre se fez neste país, como costumava lembrar um grande líder nosso? Então vamos liberar logo essa grana e sossegar a rapaziada, corrupto também fica estressado. E, afinal de contas, não somos assim tão bestas, pensam que estão nos enganando, mas não estão. Nós sabemos de tudo e não somos bobos, somos apenas omissos, submissos, cínicos e cada vez mais moralmente insensíveis - ninguém é perfeito.

*João Ubaldo Ribeiro é escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

quarta-feira, julho 13, 2011

Monkey Wrench

Bem, resolvi voltar a escrever aqui neste blog. Surpreendentemente faço isso quando voltei a trabalhar como advogado, depois de uma intermitência diplomática. É anacronístico o fato de eu voltar a escrever justo quando eu trabalho. Mas faz certo sentido se eu pensar que meu esforço intelectual aqui beira o ridículo.
Explico: pode ser que as coisas mudem e venham para mim serviços que realmente exijam um grau de abstração/conhecimento maior, mas o que eu recebi por enquanto, qualquer estudante do Ginásio (como chamam Ginásio agora?) consegue fazer, levando em conta que não seja um perfeito lobotomizado. O que faz menos sentido pra mim é a possibilidade de chegar a uma remuneração mensal bem razoável se eu mantiver um padrão bom de respeito a normas (horários, hierarquia, indumentária), etc. em um tempo razoavelmente curto. Não deixa de me deixar um pouco constrangido. Basicamente, faço o que se chama de monkey business.
Aí vão me argumentar: Ah, mas você passou no vestibular, fez cinco (seis) anos de Faculdade de Direito, merece ser remunerado de acordo. A assertiva é verdadeira, mas não deve ser levada a extremos. Eu estudei uns 3 meses para o vestibular, bem a sério. Claro, sempre tinha sido um sujeito que gostava de ler e não era burro o suficiente pra deixar tudo para última hora, mas sem esses 3 meses, é duvidoso que eu passaria em qualquer Faculdade decente. Eu passei grande parte da minha faculdade bebendo, fazendo esportes ou correndo atrás de mulher. E tenho noção de que aprendi muito mais nessas atividades do que nas aulas em si.
Enfim, ócio é uma merda. Espero que a quantidade de trabalho aumente, sob pena de vocês terem que aguentar mais reclamação de barriga cheia.

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segunda-feira, julho 04, 2011

Aprendendo através do sofrimento

O que é amadurecimento? Como acontece esse processo? Pergunto isso com maior freqüência ultimamente e tenho algumas respostas, ainda que não necessariamente se apliquem a todos.
Eu era um grande porrista. Ficava bêbado periodicamente, apesar de nunca ter sido daqueles que bebe visando a ficar bebado. Eu simplesmente ficava. De uns quatro anos pra cá, eu tenho tido fortes ressacas. Bebedeiras não ficam mais impunes e mesmo em dias nos quais eu fico longe de perder a noção, tenho sido cobrado pelo físico no dia seguinte. Os porres diminuíram, a maturidade chega mais perto, nesse caso, devido a limitações físicas.
Era incrivelmente deficitário ao lidar com as mulheres. Costumava desejar tanto que sabotava meus esforços tentando alguma coisa, acabando com chances que de vez em quando eram reais. Hoje, não acho que esteja mais bem apessoado ou tenha me tornado mais inteligente. Mas os resultados tem sido melhores. Aprendizado na base da mamona, de alguns foras dolorosos principalmente.
Existem outros fatores nos quais eu evolui, basicamente, devido a sofrimento físico ou psicológico. Acho que não sou o único que não teve a felicidade de um amadurecimento sem sofrimento. Existem, claro, aqueles que conseguem sempre permanecer afastados dos problemas. Grandes felizardos! Gostaria de aprender mais a ser como eles. Cicatrizes são honrosas quando inevitáveis. Quando podemos optar entre tê-las ou não, são apenas mais um ferimento.